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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Jorge Luis Borges, nomeações e outras coisas

Jorge Luis Borges é um dos meus escritores favoritos. Também é um dos filósofos que mais aprecio. 

Um de seus textos mais citados é, certamente, El Idioma Analítico de John Wilkins. Sei que Douglas Price já o citou, Foucault também o fez, e, pra mim, o mais importante de todos, Sam, meu amigo, quem me apresentou esse belíssimo texto.

Eis o trecho, quase sempre recortado da mesma forma, sobre uma enciclopédia chinesa cujo título é Empório Celestial de Conhecimentos Benévolos:

"En sus remotas páginas está escrito que los animales se dividen en (a) pertenecientes al Emperador, (b) embalsamados, (c) amaestrados, (d) lechones, (e) sirenas, (f) fabulosos, (g) perros sueltos, (h) incluidos en esta clasificación, (i) que se agitan como locos, (j) innumerables, (k) dibujados con un pincel finísimo de pelo de camello, (l) etcétera, (m) que acaban de romper el jarrón, (n) que de lejos parecen moscas."

 Vê-se que há forte crítica ao fetichismo taxonómico nessa passagem. Mais ou menos como o caso do ornitorrinco, num livro que escreve Umberto Eco. Pois, afinal, a que classe pertence esse animal? Tem um focinho parecido com um bico de pato, põe ovos, de hábitos semi-aquáticos, possui pêlos e apresenta inúmeras características típicas de umas classes e outras. Atualmente é considerado um mamífero. Ponto. A taxonomia decidiu. Mas não afastou a confessa dificuldade em classificar.

De todo modo, é interessante como prossegue Borges: "[...] notoriamente no hay clasificación del universo que no sea arbitraria y conjetural. La razón es muy simple: no sabemos qué cosa es el universo."

Pra começar, devo confessar que gosto da dúvida. Saber apreciá-la e não a temer pode ser uma graça. Algo em que o próprio Borges tem me ajudado a enxergar beleza.

Em definitivo, não vou discutir o que já está exaustivamente discutido. Reapontar a mesma crítica que tantos já fizeram com maior propriedade que eu poderia fazer. Mas, pedirei licença para partir desse mesmo ponto, das classificações arbitrárias e conjecturais. 

A palavra chave da classificação está no item "l" (legivelmente "L"): "etcétera" do latim et cetera, que significaria algo como "e outros" ou "e outras coisas". Veja-se a complexidade dessa palavra. Afinal, o que é etcétera? Quais animais se classificariam como etcétera?

Tentarei me fazer mais claro: estou falando sobre as nomeações.

São tilelês; punks; funkeir@s; headbangers; hippies; mauricinhos e patricinhas, ou o contrário; cults; alternativ@s; marombeir@s; gótic@s; geeks; nerds; emos; rappers; indies; hipsters; rasta's; otakus; blogueir@s; clubber's; grunges; etcétera. Isso sem falar nas tradicionais classificações/nomeações políticas, religiosas, geopolíticas, classistas etcétera.

Será possível reduzir toda complexidade de um indivíduo ou de uma comunidade em um verbete de uma enciclopédia qualquer?

Lembro-me do livro O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse. H.  personagem principal , que também é Hesse, é também Hermínia, de algum modo. E dentro de cada um deles há milhares de personalidades. Personalidades diversas, as vezes até opostas entre si, mas têm a capacidade de coexistirem em um mesmo indivíduo.

Quanto é possível conhecer sobre H. dando-lhe a classificação de intelectual? Ou de místico? E, ao contrário, quanto se perde ao fazê-lo?

Por outro lado, essas nomeações facilitam, o que considero, uma imposição social em relação a um medo de não se afirmar como indivíduo que temos, gerando a obrigação de opinar, de ter uma opinião sobre tudo.

Não há tempo para pensar. Talvez nem haja motivos. Se diante de tal situação, que pouco conheço, já há um posicionamento padrão de todo "tilelê", digamos, e me considero um tilelê, pra que pensar? É mais importante opinar que pensar. Naturalmente, opino da mesma forma como qualquer tilelê faria. Afinal são todos iguais e todos opinam no mesmo sentido, sem diferenças.

É claro que vez ou outra caímos em algum conceito. Mas importa refletir sobre nós mesmos, quem somos e talvez a nossa natureza. Sou eu o mesmo, sob certo aspecto, de tantos anos atrás, antes com poucos centímetros, agora com quase um par de metros. Sou o mesmo, e sou outro. Sou eu parte de algo, e vários outros são parte de mim. Como saber, dentro dessa complexidade do indivíduo, qual "eu" é o essencial que define? Qual persona em mim diz quem sou? Ou que não seja sobre mim, mas sobre qualquer pessoa. Quem é você? E sendo você você, como se define? Como opina? E me dirá que não muda de opinião? Que você não se muda? Que não é tantos e um? Que não somos tantos e um?

Disse anteriormente, gosto das dúvidas. Como escreveu Borges "conheci o que os gregos  [e todos nomeados] ignoram: a incerteza."


Andrey ou Menocchio etcétera.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Лайно!

Seu semblante, o rosto pálido revelaria somente duas possibilidades, padecia de doença ou profunda fadiga.

Os cabelos, encharcados em suor, contra o seu próprio reflexo na janela em que escorava, outro sinal de estado putrefato que se encontrava. Já havia algo como dez minutos, ou talvez já um par de horas sem nenhum movimento brusco.

Merda!

Seu frágil peito já não mais aguentaria. Tamanha aflição, tamanho desconforto, por completo, achacoso.

Inspira, expira...não mais sem esforços.

Vítima de si mesmo, seu coração apenas indica a proximidade do fim.

As manchas no carpete do chão, em seu casaco e onde mais tenha tocado não sairão facilmente. Talvez fosse preciso utilizar água oxigenada, mas como consequir esse produto para utilizar em tão elevada quantidade? Algo como litros. Não seria fácil.

Aliás, o cheiro de sangue misturava-se com o esgoto, corpo em decaimento, seguido pela liberação de gás carbonico e cadaverina e, como sempre, merda. Mas ainda não era a morte, não tal como se pode pensar.

A não ser que aquele ser vivo, estivesse, em verdade, morto. Como um morto-vivo.

Talvez fosse isso, embora os olhos abertos aparentemente buscassem uma direção, não expressavam mais nenhuma vida.

Seu celular toca. Um som irritante que indica falar com alguém sobre alguma futilidade. Nada demais. Nada que lhe fosse apresentar outra vida. Naquele momento atender aquele pedaço de obrigação lhe pareceu a coisa mais estúpida de toda sua vida. Não iria mover um músculo, gastar um último suspiro do resto de energia que resta em seu corpo para aquilo. Definitivamente não.

Ao contrário, algo que valeria muito a pena seria dar alguns tragos. Não importaria nenhuma recomendação-obrigatória científica com o intuito de preservar a vida, do trabalhador, da energia enecessária para a produção infindável.

Não somente os padeiros, bombeiros, eletricistas, agricultores, mas os loucos, os bandidos, os mendigos, mortos-vivos, dentre outros...outras forças. Aliás também os maridos e esposas, filhos e pais, mestres e aprendizes, felizes e tristes, bêbados e sóbrios, drogados e caretas. Como tudo pode ser tão custoso.

Seriam assim milhares de milhões de vidas. Inclusive aquela, que pareceria se despedir, no entanto, não só mais uma, mas o instrumento, a ótica sob qual tudo poderia existir e talvez fazer sentido. Aquela. A dele. E só fique dito "talvez", "talvez fazer sentido".

Merda! Nem mesmo um trago. Merda!